CORDEL EM METAMORFOSE
Rodrigo Senacultura -
José Paes de Lira, o Lirinha, comanda a “transfiguração” messiânica do Cordel do Fogo Encantado 23/12/2008 - Tribuna do Norte
Vindos do morro, da rua, dos labirintos da terceira guerra, e dos Sertões de Guimarães e de Arcoverde, o grupo Cordel do Fogo Encantado se lançou no Brasil carregado de poesia. Entre as letras existencialistas e os batuques dos terreiros da vida, a estrada ficou pequena para eles que são considerados hoje um dos grupos mais importantes da música independente brasileira.
É com essa poeira trazida dos sertões misturado ao fio invisível da tecnologia, que o Cordel sobe hoje ao palco da comemoração natalina da Fundação José Augusto, no Anfiteatro do Campus Universitário a partir das 21h.
Desde 1998 que José Paes de Lira, Clayton Barros e Emerson Calado encontraram o batuque do terreiro de Nego Henrique e seu primo Rafa Almeida. Desde então a estrada ficou pequena para eles. Com três discos gravados “Cordel do Fogo Encantado” (2002), “O Palhaço do Circo sem Futuro” (2002) e “Transfiguração” (2006), o Cordel não deixou se rotular.
Com aparatos técnicos em cena, o Cordel pensa cada cena que é levada ao público com doses fortes de poesia e de reflexão sobre a humanidade. Do primeiro disco ao último, uma estrada os divide. Se antes a poeira estava mais presente pelo calor do sertão, hoje a metrópole e a solidão se codificam entre as palavras escritas e ditas de maneira visceral por Lirinha. Eles transcendem, se transfiguram e brincam com a poesia de João Cabral de Mello Neto em “Os Três Mal Amados” utilizando programação eletrônica, unindo o imortal ao passageiro que é a tecnologia e sua diluição. Canções como “Pedra e Bala (ou Os Sertões)” ao lado de B Negão traz forte crítica social e um chumbo de percussão inebriante aos ouvidos. Sempre mexendo com a história, o Cordel constrói essa ponte entre o que existe de imemorável na cultura brasileira e os acontecimentos do mundo. Eles não só transfiguram como transcendem e colocam na mesma roda Alberto da Cunha Melo, B Negão, João Cabral, Manoel Filó, Nietzsche, girando entre o delicado e o pesado da vida.
O Cordel Estradeiro
Cordel Do Fogo Encantado
Composição: Indisponível
A bença Manoel Chudu
O meu cordel estradeiro
Vem lhe pedir permissão
Pra se tornar verdadeiro
Pra se tornar mensageiro
Da força do teu trovão
E as asas da tanajura
Fazer voar o sertão
Meu moxotó coroado
De xiquexique facheiro
Onde a cascavel cochila
Na boca do cangaceiro
Eu também sou cangaceiro
E o meu cordel estradeiro
É cascavel poderosa
É chuva que cai maneira
Aguando a terra quente
Erguendo um véu de poeira
Deixando a tarde cheirosa
É planta que cobre o chão
Na primeira trovoada
A noite que desce fria
Depois da tarde molhada
É seca desesperada
Rasgando o bucho do chão
É inverno e é verão
É canção de lavadeira
Peixeira de Lampião
As luzes do vaga-lume
Alpendre de casarão
A cuia do velho cego
Terreiro de amarração
O ramo da rezadeira
O banzo de fim de feira
Janela de caminhão
Vocês que estão no palácio
Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho
Das uvas frescas do Lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra da Catingueira
Um cantador de primeira
Que nunca foi numa escola*
Pois meu verso é feito a foice
Do cassaco cortar cana
Sendo de cima pra baixo
Tanto corta como espana
Sendo de baixo pra cima
Voa do cabo e se dana**
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