Dia do Nordestino - 08 de Novembro

domingo, 16 de janeiro de 2011

Cego Aderaldo e seus...

CEGO ADERALDO
Meu benzinho, diga, diga
Por caridade confesse
Se você já encontrou
Quem tanto bem lhe quisesse

Meu bem, que mudança é esta
Neste teu rosto adorado?
Acabou-se aquele agrado
Com que me fazia festa?

Eu juro que nunca quis
Ofender teu peito nobre
Fala, meu anjo, descobre
Diga, meu bem, que te fiz?

Todo passarinho canta
Quando vem rompendo a aurora;
Só a pobre mãe-da-lua
Quando canta – logo chora…
Assim eu faço também
Quando meu bem vai se embora!

Fiz um A para te amar
Um B pra bem te querer
Um N pra não deixar-te
Um S só se eu morrer

Canta, canta, passarinho
Faça lá seu ninho agora
Mas depois não vá dizer
Que quem canta também chora

Amo, amo, porque quero
Adeus, minhas encomenda!
O homem, quando é vadio
Morre velho e não se emenda

O amor é como o sono
Que não dispensa ninguém
Eu só comparo é com a Morte:
Ninguém sabe quando vem!

Aquela ingrata cruel
Vejam que pago me deu!
Ninguém nem me fale nela
Que pra mim já morreu…

Meu bem, cabocla bonita
Bola de ouro polida
Por ti eu perco o que eu tenho
Até mesmo a própria vida

Minha viola de pinho
Feita de pinheiro macho
Esta viola me pede
Que eu, ao menos, chore baixo…

A unha nasce do dedo
O dedoo nasce da mão
Mas a mão nasce do braço
E o braço nasce do vão

A pedra nasce do fogo
O fogo nasce do chão
O amor nasce de dentro
Do intriôr do coração

Quando de ti me apartei
Os astros se demudaram
O vento não ventou mais
As águas todas secaram

Quem parte – gosto não tem
Quem fica – como terá?
Quem parte – põe-se a chorar
Quem fica – chora também

Adeus te digo, afinal
Adeus te digo, chorando
Adeus te torno a dizer
Adeus! Até não sei quando!



“Andei procurando um besta
 e de tanto procurar um besta

 encontrei este rapaz
 que nem serve pra ser besta 
 
  porque é besta demais”.

  Cego Aderaldo morreu no dia 29 de junho de 1967, aos 89 anos de idade.
Partiu pobre como viveu. De herança para o filho Mário,
que o acompanhou até o fim dos seus dias, uma casinha 
num bairro de Fortaleza que lhe fora doada pela grande 
escritora Rachel de Queiroz, uma das suas mais 
renomadas admiradoras, e outra em Quixadá. 
A rabeca, que adquirira no distante ano de 1916 
por 200 mil réis, ele doou ainda em vida ao filho Geraldo Rodrigues.
Verdadeiro mito dos sertões, Cego Aderaldo ainda hoje 
é mote constante dos desafios de violas que se fazem 
nos pequenos burgos do interior. O cantador Adalberto Ferreira, 
em uma de suas cantorias, afirmava que “vi o anjo Gabriel há 
tempo chamado e vi Cego Aderaldo cantando com os anjos lá do céu”.
Uma das primeiras homenagens ao genial cantador 
sertanejo se encontra em forma de estátua, defronte 
à rodoviária de Quixadá, num trabalho do escultor 
João Bosco do Vale e por iniciativa de Alberto Porfírio, 
também cantador, e um dos mais denodados batalhadores 
pelo resgate da genuína cultura do Nordeste.

   “Ah! Se o passado voltasse
     todo cheio de ternura
     eu ainda tendo vista
     saía da vida escura.
     Como o passado não volta
     aumenta a minha tristeza
     só conheço o abandono
     necessidade e pobreza”.

Certa vez, em uma palestra, Leonardo Mota leu para 
o cego Aderaldo umas estrofes em que Luís Dantas Quesado
falava de coisas difíceis de serem vistas. Imediatamente, 
o cego repentista improvisou estas sextilhas:

Só nos falta vê agora
carrapato em farinha
Cobra com bicho-de-pé
Foice metida em bainha
Caçote criá bigode
Tarrafa feita sem linha

Muito breve há de se vê
Pisá-se vento em pilão
Botá freio em caranguejo
Fazê de gelo carvão
Carregá água em balaio
Burro subi em balão

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