A universitária diz que segue uma religião
de matriz africana e, por isso, todas as sextas-feiras
veste saia branca, blusa azul, colares e adornos
na cabeça, e carrega consigo objetos como
uma pequena bíblia, uma pequena boneca.
Além disso, ela diz que sempre carrega livros,
dicionários, frutas e uma caneca para evitar
o desperdício de copos descartáveis.
Ray, como é conhecida entre os colegas, contou ao G1
que tem aulas de direito administrativo com a mesma
professora todas as quintas e sextas-feiras desde a
segunda semana de fevereiro, mas que seu modo
de vestir e seus objetos nunca foram motivo de conflito.
Nesta sexta, sua turma teve aula de direito processual
constitucional no primeiro período e, entre as
10h e as 11h50, teria a aula de direito administrativo.
"Quando ela chegou, depois de dar bom dia,
ela virou para mim e perguntou 'o que é isto?'.
Eu não sei a que ela se referia, então respondi
'este é o meu jeito de vestir na sexta-feira',
e ela disse que era para eu tirar as coisas,
inclusive da minha mesa, tudo o que não
tivesse que ter com direito administrativo,
senão ela não ia dar aula", disse a estudante.
Em um vídeo enviado à TV Roraima e filmado
por uma aluna que estava presente na classe,
a professora diz após ver os objetos sobre a mesa de Ray:
"Isso não faz parte da aula. Você vai ficar só com o
seu caderno e sua caneta". Após a reação dos alunos,
a professora afirma: "Se vocês querem fazer qualquer
tipo de manifestação utilizem os meios cabíveis.
Eu sei que só tem uma pessoa aqui que está fazendo
este tipo de coisa, mas como tenho que falar com
a sala inteira. Eu não vou dar aula com este tipo
de coisa aqui. Isto não faz parte da aula de direito
administrativo. Vou dar dois minutos para você retirar.
Se você não retirar eu não vou dar aula."
Segundo a estudante, os colegas da turma a
impediram de retirar os objetos e, depois de uma discussão,
a professora pegou seu material e deixou a sala de aula.
Por causa do evento, Raymunda registrou um
boletim de ocorrência de segregação no
1º Distrito Policial de Boa Vista, assinou um
termo de declarações na Promotoria de
Educação do Ministério Público Federal e,
na tarde de sexta-feira, buscou a Comissão
de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) em Roraima.
Procurada pelo G1, Ênia Maria Ferst,
diretora de graduação da Pró-Reitoria de Ensino
da Universidade Estadual de Roraima,
afirmou que a Uerr só vai se manifestar
após receber o relatório oficial da professora
sobre o ocorrido, e encaminhá-lo à
assessoria jurídica da instituição, para que ela dê
o encaminhamento de acordo com o código
de ética da universidade.
Apoio dos colegas
Uma colega da turma, que preferiu não se identificar,
afirmou que estava sentada no fundo da
sala e ouviu a professora dizendo que daria
dois minutos para que Raymunda retirasse da
carteira todos os objetos sem relação com a
disciplina de direito administrativo.
"Ela foi bem categórica, disse 'isso não tem
nada a ver com a aula, eu lhe dou dois minutos
para você retirar'", contou a colega.
Ainda de acordo com ela, Raymunda se levantou
para obedecer a ordem da professora,
mas a turma se manifestou em apoio a ela,
afirmando que não havia, no regulamento
da universidade, qualquer proibição desse
tipo e que a posição da professora era inconstitucional.
"Alguns alunos se exaltaram com a professora,
e ela também, e então falou que não ficaria
lá batendo boca com os alunos e saiu da sala",
contou a aluna, que classificou a professora
como "bem rígida" e afirmou que diversas
situações de conflito entre ela e a turma já
vinham acontecendo desde o início do semestre.
"Por isso todo mundo ficou a favor da Ray."
Raymunda, que tem mãe indígena e pai negro,
e descende da etnia Kraô, contou que
leva frutas como banana consigo porque
gosta de se alimentar de maneira saudável,
um hábito que guarda desde a época em que
vivia em Goiás, onde nasceu. Ela se mudou para
Roraima em 1991 e afirma participar da religião
de matriz africana como participante.
Segundo ela, nesta sexta-feira, o único adorno
diferente que ela usou, em relação às outras
sextas-feiras, foi trocar um prendedor de cabelo
com pena por um lenço branco, amarrado
na cabeça em forma de turbante.
A colega afirmou que Raymunda sempre
chamou a atenção pelo modo "alternativo"
de se vestir, mas que tanto os estudantes quanto
os professores já estavam acostumados com o seu jeito.
"Ela é uma pessoa que se veste de forma alternativa,
tem comportamento diferente, incomum dos demais,
mas é o jeito dela mesmo, saias longas, bastante
colar, não é surpresa. Às vezes ia com mais apretrechos,
outros dias com menos, mas a professora
nunca tinha falado nada", contou.